segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O papel da religião na vida psíquica dos indivíduos.

A palavra religião vem do latim religio, derivado de religare, “atar”, “ligar”, podendo ser interpretada como o laço que une o homem à divindade.
Na maioria das sociedades, o papel da religião é explicar os conteúdos existenciais do ser humano, tentando obter respostas às perguntas que não possuem fundamento, como: de onde viemos, o que estamos fazendo aqui e para aonde vamos depois da morte.
Psicanaliticamente falando, a religião é uma neurose obsessiva da humanidade, tal como a neurose obsessiva da criança, que surge a partir do complexo de Édipo (conceito fundamental da psicanálise), caracterizado por sentimentos ambivalentes de amor e hostilidade existentes no relacionamento entre pai e filho.
Freud afirma que, a necessidade que civilizações possuem em controlar os instintos e impulsos dos seus indivíduos estabelecendo uma ordem moral, foi utilizada para difundir as religiões, pois aparentemente as leis divinas eram e continuam sendo muito mais sólidas e poderosas do que as leis humanas. Deste modo, passa-se a obedecer aos preceitos da sociedade devido o temor do castigo pela ordem divina.
Sempre existiram muitos autores e pensadores que demonstraram suas visões sobre religiões, mas o estudo científico das religiões iniciou-se no século XIX.

Analisando pelo lado do estudo científico, os argumentos apresentados por Freud possuem um teor crítico com relação à origem, desenvolvimento e manutenção das idéias religiosas, mas sempre apresentados de maneira objetiva e direta, enquanto Jung estuda a religião de maneira enigmática com certo toque de romantismo, admitindo a existência de um Deus interno, não materializado, que não significava a existência de um criador autônomo como a grande maioria das religiões alegam.
No aspecto filosófico, Osho, filósofo indiano que sempre se dedicou a questionar os dogmas políticos, sociais e religiosos da sociedade, adepto da meditação zen, afirmava que existe uma religiosidade sem necessariamente precisar existir a religião e o conceito de Deus, podendo haver espiritualidade apenas por uma filosofia moral, um estado de consciência livre, que não é condicionada pela mente, ou seja, não se acredita no que as crenças forçam a acreditar, mas sim o que sua consciência deseja crer.
Observando a pintura de Michelangelo na abóbada da capela Sistina, a figura denominada como ‘A criação de Adão’ impressiona pelo fato de demonstrar a onipotência divina manifestada na sua infinita grandeza que concebeu a criação do primeiro homem, dando sentido à construção do universo. A pintura, que pode ser nomeada como símbolo da ligação do Homem com o Divino, expressa o momento em que Deus, após ter criado a luz, a terra e tudo que nela existe, concedeu a vida a um ser dotado de inteligência e autoridade sobre todas as coisas existentes no mundo feito à sua imagem e semelhança.
O tema proporciona milhares de interpretações por ser um campo vasto de conhecimento, mas aqui completo o raciocínio da tríade das instituições sociais: a ciência, a filosofia e a arte, que são representações do universo e constituídas por neuroses.
Conforme apontado por Freud, um caso de histeria pode ser o retrato de uma obra de arte, ou uma neurose obsessiva pode ser a representação de uma religião e até um delírio paranóico poderia ser a caricatura de um sistema filosófico. Mas, neste caso, apenas um caso de neurose – a religião – representado nas três formas de instituições sociais.
No último ano de faculdade, dediquei-me a este estudo que gerou a compreensão da existência e desenvolvimento das idéias religiosas e sua conexão com a vida psíquica dos indivíduos, estudados a partir dos dois principais textos sociais de Freud: Totem e Tabu e O Futuro de Uma Ilusão.
Com base no que foi estudado, pude concluir que a psicanálise não pode atribuir a uma única fonte a origem de algo tão complicado como a religião.
Ficou claro que a humanidade sempre se sentiu desprotegida frente às forças sobrenaturais, tornando este desamparo tolerável a partir de criações de deuses, e posteriormente um Deus com poderes sobre-humanos capaz de minimizar todo este sofrimento.
Mas, os fenômenos religiosos possuem uma propriedade psicanalítica que manifesta o desenvolvimento de neuroses em seus adeptos, chegando a transformá-la na própria neurose.
Uma das problemáticas estudadas foi o fato das religiões, após tanta evolução cultural, tecnológica e científica, ainda exercerem um papel onipotente e essencial na vida psíquica dos indivíduos.
Os crentes, na definição literal da palavra – aqueles que crêem, parecem se unir a uma religião por vínculos afetivos, de maneira que nunca iriam permitir que sua fé fosse desviada ou banida. Ainda, existem pessoas que não são crentes, mas obedecem aos preceitos da civilização por se sentirem intimidados pelas ameaças da religião e se vêem obrigados a segui-los por fazer parte de sua realidade.

domingo, 27 de novembro de 2011

Pesquisa de opinião

A padaria estava cheia quando os dois pesquisadores entraram.
Uma jovem esbelta de cabelos encaracolados e um rapaz alto e magro, com prancheta na mão. Pararam em frente à copa e observaram os fregueses, ao redor do balcão. A maioria idoso, alguns biscateiros, os que não bebiam nada, só assistiam televisão e um mulato assanhado, com os olhos no “traseiro” das garçonetes.
O pesquisador caminhou até a copa e, com a voz empostada, se apresentou:
- Bom dia senhores! Eu e minha amiga somos pesquisadores de opinião sobre o governo Quaquá!
Houve um burburinho e o homem no fundo do balcão, gritou:
- Meu amigo… Faz favor… Falar do “falecido” essa hora da manhã é dose! Não acha?
Do outro lado, na fila do pão, um gordo, camisa vermelha escrito: “AQUI O POVO GOVERNA”, rebateu:
- Não acho não! Quaquá ainda será o melhor prefeito de Maricá!
A resposta pegou a freguesia de surpresa e o mulato assanhado, falou.
- Ô moço! O senhor é daqui mesmo ou de outro lugar?
- Sou de Niterói, por quê?
- Logo vi… Boquinha do PT… Ganha dinheiro aqui e gasta lá… Tem mais que elogiar mesmo!
- Tem mais que elogiar, não! Rebateu o gordo falante - Quaquá pode ainda não saber governar, mas daqui a quatros será o melhor prefeito!
A moça do pão, sem papas na língua, entrou no assunto:
- E quando ele vai saber governar?
- Quando se reeleger, aí você vai ver quem é Quaquá!
- Ta bom… Disse o velhinho saindo do sanitário – E enquanto isso a gente sofre, com a rua igual queijo suíço, né?
O gordo, alguns até pensavam ser parente do vereador do PDT, contra argumentava:
- Meu amigo… A coisa mais inteligente do prefeito foi colocar gente de fora, principalmente de Niterói.
A presunção do gordo irritou a galera, deu início a um bate boca e a jornaleira, lá da banca, gritou:
- ÔÔÔ seu gordo! Desculpe, não sei seu nome… Mas não vem com essa conversa não! Pra que a gente quer pessoas de fora?
- Por que o daqui não tá com nada… Depois de cento e noventa e cinco anos o maricaense não aprendeu nada e precisa de gente de fora!
O gordo parecia um capeta e cada vez que defendia o prefeito, mais o povo irava.
- Primeiro importou gonçalense, se elegeram vereadores e não deu certo… Agora tem que vir de Nit…
Mas nem completou a frase e recebeu uma bisnagada na cabeça. Quando olhou para trás e ver quem era, jogaram uma xícara de café, manchando a camisa toda. Mas ao perceber a galera partir para cima dele, correu e entrou no carro da prefeitura, indo à disparada, estrada abaixo.
A jovem entrevistadora, patética com a situação, resolveu falar:
- Gente! Pra que essa confusão toda! Só queríamos saber a opinião de vocês sobre o governo Quaquá!
O dono da padaria, saindo do escritório, respondeu:
- Regular… Minha filha… Regular…

Porcão

“Porcão” ganhou esse apelido ao ser visto debruçado no tonel de lixo, do restaurante Sal da Terra, catando resto de comida para os cachorros. Assim dizia.
A primeira vez que o chamaram de “porcão” foi a turma do Eliziário, na porta dos fundos da escola. Não viu quem foi, mas correu atrás de um deles, sem conseguir pega-lo. Depois disso, sempre se afastava ao ver alunos conversando, mesmo assim, de vez em quando, ouvia alguém gritar: - “porcão”!
Disfarçava e continuava andando, fingindo não ser com ele, apenas olhava para um dos seus “viralatas” e dizia: - Acho que é contigo…
Certa manhã, fuçando de novo o tonel, falava sozinho:
- Por isso gosto do Uilton Viana, realmente é o melhor político de Maricá, mais bonito e se não fosse o seu governo criar o hábito do lixo apodrecer na rua, hoje não sobraria nada pra mim.
Na mesma calçada, saindo do Bradesco, vinha Vovó Matilde, uma idosa extrovertida, do grupo de dança da terceira idade. Antigamente era fã do Ricardo Queiroz, agora, com a casaca virada, elogia o Quaquá. Passava exatamente na hora em que “porcão” pensava em voz alta:
- Só esse lance do lixo, deixou o Uilton como o melhor prefeito da cidade…
A velhinha achou o assunto interessante e parou para ouvi-lo:
- Ainda não apareceu prefeito melhor do que o Uilton!
Vovó, metida à porta-voz do atual prefeito, tocou-lhe com o dedinho no ombro e disse:
– Escuta meu filho… Não sei quem é esse Uilton, mas seja lá quem for, garanto não ser melhor do que o “meu” Quaquá!
“Porcão” retirou a cabeça de dentro do tonel e meio fedorento, replicou:
- Escuta aqui, minha senhora, eu sei quem é o “seu Quaquá”, até votei nele… Mas não é melhor do que o “meu” Uilton, ta?
Matilde, nos quase noventa anos, levantou as sobrancelhas e cheia de malícia, disse:
- Hummmmm… “Meu Uilton” heimm…
- Sim, “meu Uilton” mesmo! E tem mais: seu prefeito precisa comer muito feijão e arroz pra ser igual ao Uilton!
- Feijão com arroz, meu jovem… Se você não sabe, em poucos meses Quaquá já cumpriu quase tudo que prometeu na campanha eleitoral.
“Porcão”, com o traseiro no alto e a cabeça no tonel, respondeu lá de dentro com voz abafada, tipo trombone:
- Isso não consta no meu calendário… Mas diz alguma coisa que ele já fez?
Vovó Matilde revirou os olhinhos e falou bem séria:
Olha meu filho… Na sua plataforma, Quaquá prometeu quebrar a empresa Amparo e está quase conseguindo.
Surpreso, “porcão” colocou as pernas no chão e retirou o corpo do tonel, com meio pedaço de coxinha na boca:
- Não to entendendo… Como ele está quebrando a empresa?
- Muito simples: Ele não conserta os buracos das ruas e os ônibus aos poucos vão quebrando, com o tempo pede falência e outras empresas virão circular no município.
- Muito inteligente vovó… Mas o “meu Uilton” não faria nada disso… E se pensar bem, o “seu Quaquá” pode até destruir a empresa, mas quebra também os carros e motos da população e, o que sobra, a PM prende e deposita em Itaboraí. Agora eu pergunto: - É bonito isso?
- Pode não ser bonito – Disse vovó Matilde: - Mas faz parte do “choque de ordem”, importado da prefeitura do Rio.
Choque de ordem… Choque de ordem… Repetia “porcão” e depois completou: - choque de ordem ele devia dar na prefeitura!
No calor da discussão, eles não perceberam as pessoas ao redor; o careca do bar acenava chamando outros, o taxista reduziu para olhar, algumas senhoras pararam e sorriam e um homem gordo, de rabinho de cavalo, perguntou:
- Por que na prefeitura, o que tem lá de errado?
Porcão estranhou a voz e saiu de dentro do tonel.
- Quem é o senhor?
- Sou morador novo na cidade, mas o assunto me interessa:
- Bem… Se o senhor é novo na cidade merece saber – E, cheio de autoridade, explicou: - Ta tudo errado na prefeitura! Ninguém sabe nada! Bagunça total! Trem da alegria e muita gente de fora!
Vovó, preocupada com a imagem de Quaquá, o interrompeu, justificando:
- Ora meu filho… O que tem isso demais! A prefeitura agora é dele e ele faz o que bem quiser!
“Porcão” terminou o trabalho, colocou as sacolas nas costas, chamou os cachorros e saiu em direção à praça, falando em voz alta:
- Dele nada! É do povo!
Vovó Matilde visivelmente irritada gritou, antes de ele dobrar a esquina:
- Vai… Vai… Seu porcão maledicente! “Biba” enrustido! Com sua língua-de-trapos, “meu Quaquá” é capaz de não se reeleger!
- Que se dane, não quero que se reeleja mesmo! Para provocar ainda mais a vózinha, “porcão” caminhou pela praça, lembrando as promessas de Quaquá:
- Cadê a rodoviária na estrada que prometeu? Os milhões do Lula pra Maricá? E as vans circulando na cidade? Onde estão as casas populares? E as creches comunitárias?
Cadê a recuperação do rio mumbuca? E esse tal de banco municipal?
Indo atrás dele, até os viralatas reclamavam:
- Au, au… Au, au…

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Pedrinho e sua babá!

Se tem alguém mais preguiçosa é a minha enteada, já acorda cansada e a primeira coisa que faz é ligar a televisão, depois deita no sofá e assiste “emetivi”, aquelas bandas malucas e a programação mais doida ainda.
Sem muito que fazer nas férias conseguiu um emprego de babá.
Uma amiga de sua mãe precisou fazer um curso e ela foi substituíla nos cuidados do Pedrinho, um menino esperto de seis anos. O garoto era doido para ter uma babá, todo coleguinha do maternal tinha uma e ele também queria ter assunto para contar.
- Mãe! Quando vem minha babá? Dizia ele, quase todo dia ansioso para conhecer sua baby-sitter.
No dia que ela chegou ele ficou olhando para ela e disse a sua mãe:
- Essa aí que é minha babá?
- É, sim, Pedrinho... Agora deixa mamãe falar com ela, depois a gente conversa! Dona Marília explicou rapidamente os afazeres a Cristiny e logo saiu.
Assim que sua mãe fechou a porta, Pedrinho pegou na mão da babá e disse a ela:
- Gostei de você e vou deixar você me dar banho!
Minha enteada abriu uns olhões e assustada, falou:
Mas ainda não sei dar banho em criança, não!
- Não faz mal – Disse Pedrinho – vou te ensinar.
Pedrinho entrou no box, ficou quietinho em pé e a orientou:
- Agora tira a minha roupa! Cristiny toda envergonhada retirou a roupinha do menino, deixando-o pelado.
- Agora manda eu levantar os braços! Ela mandou.
- Passa bastante sabonete no sovaco... Mamãe diz se não lavar bem fica cheirando mal. Cristiny esfregou bem.
- Agora lava meu bilau! A babá cheia de vergonha refutou: - Há, não, lava você!
- Não! Você é minha babá e tem que lavar, mas com cuidado pra não me machucar!
Com muito custo ela passou sabão nas mãos e ele ordenou:
- Passa bastante sabonete e esfrega bem. Minha mãe diz que bilau também não pode ficar com cheiro ruim!
Cristiny fez tudo que Pedrinho pediu, depois o enxugou, colocou roupinha cheirosa e logo depois ele disse:
- Agora me põe pra “mimi”... Mas você tem que deitar comigo e me abraçar.
Pedrinho adormeceu todo feliz nos braços de sua babá, mesmo sonolento, quando ela tentava se retirar, ele apertava sua mão e não a deixava levantar.
Quando Cristiny saiu, pensou: Se com seis anos esse Pedrinho é tão esperto, imagine quando crescer...!

Maricá tem jeito?

Maricá cresce com ranço do passado e não perde a mania de que a vila é dos nativos. Qualquer um pode vir morar, participar das atividades sociais, sentar no bar, conversar, beber, de preferência cerveja ou uma cachacinha. Mas entrar na política ou se candidatar a vereador, aí o negócio muda de figura, os nativos já olham desconfiados, querem saber se fala errado, se tem estudo e se tiver não é confiável.
Esse ranço vem de um passado não muito distante. 
Antigamente os candidatos eram escolhidos a dedo: Fulano da farmácia, sicrano da fazenda, beltrano conhecido do governador e a política girava em torno de famílias tradicionais: os Souzas que não se davam com os Fontouras, os Rangeis amigos dos Cunhas, os Hortas, de narizes em pé, nos seus vai-e-vem entre fazenda, Rio e Maricá.
Por aqui não havia riqueza e sim prestigio, dinheiro público, zona rural, comércio simples e todos, de certa forma, eram iguais socialmente.
Quando alguém de fora, com carro e casa, chegava era bajulado, convidado as cerimônias políticas, religiosas e apadrinhados pelo clero e prefeito. No aniversário da cidade subia no palanque e recebia o titulo de cidadão, honraria hoje banalizada pelos herdeiros dos velhos caciques.
O maior empregador era a prefeitura e os cargos preenchidos pelos parentes e amigos. 
A elite freqüentava o palácio do Ingá, antiga sede do governo fluminense, antes da fusão com o Rio de Janeiro. Esses conseguiam nomeações para eles mesmos, às vezes mais de uma, chegando a quatro sem nunca trabalhar.
Maricá de hoje, ainda é resultado de ontem, as favelas na linha do trem, aberrações irresponsáveis de líderes populistas. Milhares de transferências de votos, atraindo o que de pior existia e por aqui ficavam. Depois, em troca dos favores, mandavam invadir terrenos abandonados e proliferavam casas disformes, vistas ao longo
da rodovia e periferia. Aprovação de loteamentos sem saneamentos, sem infraestruturas e seqüelas mal resolvidas, como Itaipuaçú, Inoã, Boqueirão, sem falar em Jacaroá, Caju e adjacências.
Antigamente se votava por amizade, vereador não tinha salário, poucos sabiam ler e escrever e analfabeto não podia votar. Com eleitorado tão pequeno quase podia ser eleito com apenas um voto, bastava não errar na hora da votação, coisas que poucos sabiam fazer.
As histórias pitorescas com os discursos de vereadores hoje parecem piadas, mas na época eram autênticas como a do edil que solicitou cascalho para a rua “descascaralhada”, o outro com a “faca de dois legumes”, o elogio ao prefeito bem sucedido que “quando pobre andava com pau nas costas” e o candidato ao ver
sua eleitora a convidou “trepar no palanque”.
Hoje nos desviamos da linha do tempo, o eleitor não vota mais por amizade e vereador... Bem ,vereador são os que estão aí, pouco estudo, mas muito dinheiro!
Maricá tem jeito?